P Á G I N A S

domingo, 29 de março de 2009

Golpe de sorte


Quarenta e cinco anos de história. Num dia 31 de março - há quem insista ter sido em 1º de abril, o Dia da Mentira - o Brasil espantou-se com a reação de seu povo e de suas Forças Armadas à tentativa de transformá-lo num país menor: de menos liberdade, de menos consciência política, de menos cidadania. Há muitos que viram na tomada do poder pelos militares, em regime de exceção, um ato pernicioso, tramado exatamente contra a liberdade e a cidadania, como uma afronta à consciência política que esses muitos julgavam ter. E é a forma como a história tem sido contada por eles. Os historiadores têm sido aqueles que foram atingidos, voluntária ou involuntariamente, pelas novas regras que o momento exigia então.

Talvez não haja um brasileiro sequer que não tenha em sua família ou no seu círculo de amizades um perseguido, preso ou exilado. Houve uma caçada implacável àqueles que os novos detentores do poder julgavam perigosos ao próprio governo e, no seu modo de ver, ao Brasil em si. Excessos aconteceram. Erros foram cometidos. Falhas houve, algumas graves, num sistema de grandes proporções cujo propósito era tão somente preservar um grande país, para garantir-lhe não um futuro, mas o futuro.

Contudo, um aspecto importante precisa ser lembrado a todo momento. Um sustentáculo que jamais poderá ser esquecido, seja pelas gerações que viveram 1964, seja pelos nossos filhos, a quem nos obrigamos a ensinar os fatos de modo imparcial e absolutamente responsável. Pouquíssimas - pouquíssimas mesmo - instituições nacionais podem provar tanto respeito, lisura e retidão de caráter para consigo mesmas e para com o Brasil, como as Forças Armadas. Bradem o que quiserem contra os militares: clamores pertinentes por justiça ou simples alaridos eivados de preconceito e rancor. Mas que não se ouse levantar uma única palavra de ataque à dignidade das corporações que a integram. Porque seria uma injustiça sem precedentes.

Maus profissionais há em todas as classes sociais e profissionais, mas não são eles o espelho em que seus membros se veem, nem a imagem que reflete honestamente sua condição. Ao contrário do que parece ter ocorrido com a maioria dos que pegaram em armas contra os militares, estes sofreram com a necessidade de se verem compelidos a irem de encontro a compatriotas seus. Porque tinham algo maior a defender: sua pátria. Nossa; de militares, de brasileiros e dos que cerravam punhos sem ideal bem definido. Pátria: um conceito que decerto não era compartilhado por uns tantos perseguidos, que professavam uma fé política quente, de forte tom avermelhado - alguns o fazem até hoje - e com inusitado fervor.

Até a deflagração da abertura política, em 1979, a história, contada pelos vencedores, era a versão do 'regime'. Depois disso, com o retorno dos exilados e autoexilados e com a 'constituição cidadã' de 1988, é deles, dos ex-perseguidos, a verdade absoluta dos fatos. Deles também é o direito de pleitear - e receber - as mais gordas indenizações de caráter político já pagas no Brasil, como reconhecimento por seus 'feitos heróicos' em prol da 'liberdade' e todo sofrimento que sua consumação pôde encerrar. O 'bolsa-ditadura', que tão bem foi definido pelo próprio povo. Um achincalhe a cada um de nós e, em especial, àqueles que trabalharam silenciosamente pela paz.

Se ainda é cedo para se falar sem emoções sobre tudo o que aconteceu no Brasil nos anos pós-1964, já deveria ser ao menos tempo suficiente para desnudar a máscara de vivos e mortos que ousaram se autoproclamar heróis de alguma coisa. E fazer baixar um pouco mais a poeira dos conflitos, revelando silhuetas mais bem delineadas por entre a natural bruma do passado. Fazendo, assim, justiça a quem a mereça. E condenando, minimamente ao limbo da História, aqueles que tentaram toscamente rasurá-la.

A verdade sempre prevalece. Mesmo que por puro golpe de sorte.


Boas Noites!

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