P Á G I N A S

sábado, 27 de abril de 2013

Pior é a emenda

  
A Proposta de Emenda à Constituição 33, de 2011, que cria uma imiscuição daninha do Poder Legislativo sobre o Judiciário, além de absolutamente descabida sob o próprio ponto de vista constitucional, possui nítido cariz retaliatório. Dos confins do Nordeste, eis que surge um protótipo de cangaceiro em defesa dos réus do maior escândalo de corrupção da história do Brasil, empunhando, a título de peixeira, mudanças milimetricamente calculadas na legislação.

Então não é isso? A iniciativa da PEC foi do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), surgida na época em que a tramitação do processo do mensalão estava em efervescência. No final de maio 2011, a Ação Penal 470 - designação jurídica da demanda - entrava no final da fase de alegações finais, tempo em que o Ministério Público Federal e os réus se manifestam pela última vez, para posterior conclusão e envio ao relator, para elaboração de voto.

Nazareno é cearense, médico, matemático e filiado à CUT. Foi vereador por Teresina e deputado estadual pelo Piauí, sendo galgado à Câmara Federal na esteira de Átila Lira (PSB), que deixou o mandato em Brasília, logo no terceiro dia, para ser Secretário da Educação e Cultura do PI e abrir vaga para seu obscuro suplente.

Percebe-se que o currículo parlamentar do cabra é sintomático. Além da PEC 33/2011, que submete decisões acabadas do STF à aprovação do legislativo e, em condição extrema, ainda a uma posterior consulta popular, constam também a INC 2918/2012 (indicação), que pretende a exoneração do Procurador-Geral da República - no caso, especificamente, Roberto Gurgel - antes do término de seu mandato; e ainda outra PEC, a 143/2012, alterando a forma de escolha de ministros do Supremo e criando para eles mandato com tempo estipulado: sete anos, em vez de vitalício. Além dos alvos óbvios na suprema corte, Roberto Gurgel, igualmente dedicado no caso do mensalão, é visado mais por sua atuação nas operações Vegas e Monte Carlo, da Polícia Federal, que desvendaram esquemas de corrupção associados ao empresário Carlos Augusto de Almeida Ramos, alcunhado Carlinhos Cachoeira, indiciado por envolvimento com o crime organizado e corrupção.

A PEC 33 foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, da qual fazem parte José Genuíno e João Paulo Cunha, réus na Ação Penal 470 e diretamente beneficiados por um virtual desvio que conduzisse a decisão sobre seus futuros do tribunal para a esfera política.

STF e Poder Legislativo estão às turras: o ministro Gilmar Mendes e o presidente do Senado, Renan Calheiros, refugam a intromissão mútua dos poderes constitucionais num tom áspero poucas vezes visto no país. O Supremo detesta a ideia - também mal vista por setores da oposição e pela população em geral - de se ver contradito em decisões de última instância pelo capricho dos parlamentares. Estes, por sua vez, estão fazendo birra por conta da liminar concedida pela suprema corte, impedindo o trâmite da proposta (encabeçada pela bancada governista) que cria limitações ao desempenho de novos partidos que venham a ser criados. Independentemente do aspecto do excesso de agremiações políticas no Brasil, na verdade a situação não tem interesse no surgimento de novas siglas, ao menos neste momento, porque a tendência é de que elas venham predominantemente como oposição.

A imagem do parlamento brasileiro há muito que não é das melhores. Tanto pela leviandade de um contingente considerável de deputados e senadores, quanto pela subserviência que o legislativo tem demonstrado diante do rolo compressor do Planalto. O Poder Judiciário, por sua vez, resgatou credibilidade, com o desfecho do mensalão ao menos sinalizando um desejo de moralizade, tão necessária ao país.

É inadmissível que o deputado Nazareno Fonteles, por sua conta ou seguindo ordens superiores, se preste ao papel de instrumento antidemocrático de ataque à legalidade e à harmonia dos poderes da República. Felizmente, contamos com um expressivo número de parlamentares que não concordam com a PEC 33. Melhor ainda seria se a população tivesse um mínimo de interesse por política se desse conta do perigo que essa proposta enseja, em relação aos direitos e liberdades conquistados nos anos recentes, vindo a reagir a tudo isso.

Nossa democracia é um dos bens mais preciosos que possuímos, sem o qual somos politicamente frágeis. É algo pelo qual se lutar diuturnamente, em benefício de nossas próprias vidas.

Em tempo: curiosamente é o ministro Toffoli, acusado de ser simpático ao Petê no julgamento do mensalão, que está dando, a contar de ontem (sexta 26), um prazo de 72 horas para que a Câmara explique o espírito da PEC 33. Quem sabe pode ser um bom presságio...