P Á G I N A S

quinta-feira, 18 de março de 2010

O novo golpe de Ibsen


Inconformado com a repercussão da passeata de ontem (17), em que mais de 150 mil pessoas protestaram contra a Proposta de Emenda à Constituição que nega ao Estado do Rio o recebimento dos royalties do petróleo, o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) segue em sua verborragia. Sem esconder o sorriso irônico, desdenhou a manifestação desta quarta-feira, dizendo que 'nem toda a passeata é do bem'. Sustentou o argumento, lembrando o apoio da população carioca à tomada do poder pelos militares em 1964; e o protesto contra a vacinação obrigatória, comandada por Oswaldo Cruz em 1904 na então capital federal. Está tentando pôr fim à polêmica valendo-se, de modo ardiloso, da menção ao controverso episódio da repressão dos anos 60, acreditando num impasse: para ser contra-atacado na referência a uma pretensa 'passeata do mal', é preciso defender o 'golpe', coisa que poucos teriam coragem de fazer. Misturou, enfim, alhos com bugalhos e cometeu uma nova injustiça, revelando-se cafajeste com os cariocas – o Rio tem sido, historicamente, palco de grandiosos atos em defesa do país – e com as Forças Armadas.

A Revolta da Vacina aconteceu em função do desconhecimento e do temor da população do início do século XX, que foram insuflados pela imprensa da época, também contrária à iniciativa. Não demorou muito para que os jornais fizessem sua mea culpa, admitindo a absoluta impropriedade de se voltarem contra as medidas profiláticas adotadas pelo sanitarista.

A intervenção militar de 1964, tratada tanto como 'revolução' (pelos que a apoiaram) quanto por 'golpe' (pelos adversários), foi festejada, assim que consumada, pela maioria da população do Rio de Janeiro. Jornais e revistas, que vinham acompanhando a degeneração da democracia brasileira desde a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, documentaram a gradativa perda da autoridade do presidente João Goulart (Jango), cuja inabilidade política, aliada à insuflação generalizada contra a ordem constituída, promovida por setores da esquerda, estava por permitir a transformação do Brasil numa república comunista. Insuflação essa, registre-se, perpetrada por nomes que ficaram para a história recente do país como grandes socialistas, defensores do estado democrático de direito e, sobretudo, pobres vítimas da arbitrariedade e da intolerância do governo, alijadas de seus direitos cidadãos.

Foi em nome da restauração da ordem e da preservação dos valores mais caros ao povo brasileiro, que as pessoas estenderam lençóis brancos em suas janelas, jogaram papel picado às ruas e promoveram um verdadeiro carnaval fora de época, na virada chuvosa de 31 de março para 1º de abril de 1964. A tomada do poder, naquele momento específico, era absolutamente necessária para conter o avanço da influência trotskista no Brasil, e salvaguardar instituições cujas bases vinham sendo solapadas por um processo daninho de insurgência. Entre elas, parte das próprias Forças Armadas.

Hoje, o deputado, que tem em seu currículo o voto casuístico a favor da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, o imposto do cheque), quer beneficiar-se eleitoralmente à custa do trabalhador fluminense, lesando o Estado do Rio em recursos que são seus por direito, garantidos pela Constituição que agora faz rasgar. Quer fazer nítida cortesia com o chapéu alheio, sob o pretexto de estabelecer justiça fiscal e redistribuição de riqueza.

Se juntarmos a isso a postura pilática de Lula, que – mais uma vez – esquivou-se de agir e mandou o Congresso resolver o babado dos royalties, vamos perceber que Ibsen vai, homeopaticamente, fazendo o favor de demolir a candidatura governista à presidência.


Boas Noites!

quarta-feira, 17 de março de 2010

Obrigado, Ibsen


O tiro contra o Estado do Rio, desferido do planalto central pelo deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), parece ter saído pela culatra e ricocheteado várias vezes, com efeitos surpreendentes. Pior a emenda que o soneto, para lembrar o dito popular. Sua Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que subtrai dos fluminenses recursos substanciais, oriundos do pagamento de royalties pela exploração do petróleo existente na Bacia de Campos, é a unanimidade – ou quase isso – da vez. Iniciativa oportunista, surgida do nada em pleno ano eleitoral, até hoje não encontrou, além do próprio proponente, defensores entusiásticos: há os que são visceralmente contra, os que são apenas contrários e os que preferem se omitir a respeito, alegando não terem opinião. Não vi quem quer que seja esbravejando, com a ênfase com que o governador Sérgio Cabral atacou a emenda, a favor dessa nova sandice.

Os políticos brasileiros em geral, em sua imensa pequeneza, tendem à fórmula simples de Robin Hood. Atacam os ricos, como se pecado fosse sê-lo, para arrancar deles o 'excedente' que acham que deveria ser dividido com os pobres, em vez de proporem a criação de novas riquezas, capazes de tornar os pobres não-pobres, mantendo os ricos como estão. Porque dividir o que não lhes pertence é mais fácil, além de render preciosos dividendos nas urnas.

E nesse jogo de perder ou perder, nós, cariocas, somos escolados. Há quase um século e meio. Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, gaúcho que fez história no Rio de Janeiro, nos dá, talvez, a primeira boa mostra disso. Penou para trazer desenvolvimento para o Brasil e, em especial, para a capital do império, tendo sido severa e seguidamente sabotado pelo ciúme do próprio imperador, que talvez se visse diminuído ante a audácia das iniciativas de Mauá. O barão fundou o primeiro Banco do Brasil (que era privado e faliu, sabotado por manobras tramadas na corte de Dom Pedro II), o primeiro estaleiro (Ponta d'Areia, na vizinha Niterói) e a companhia de gás (cujo uso, inicialmente, voltava-se para a iluminação pública), só para começar. Um vulto que deveria ser cultuado por todo brasileiro, como exemplo de patriotismo e empreendedorismo.

Nossa Majestade preocupava-se muito mais em agradar os senhores de engenho do interior fluminense, que lhe sustentavam – literalmente – o poder, promovendo um término mal planejado para a era escravagista, sem a necessária transição dos antigos escravos para a condição de cidadãos com formação profissional, emprego, salário e moradia. Esse despreparo, apesar dos 38 anos entre a proibição do comércio de negros e a Lei Áurea, que permitiam muito mais do que as leis do Ventre Livre e dos Sexagenários, custou a sobrevivência do regime, que caiu um ano e meio depois. A República vinha com o Estado do Rio assistindo ao declínio de seus engenhos sem escravos, e São Paulo fomentando suas lavouras com mão-de-obra estrangeira assalariada.

Fomos perder, de novo, em 1960. A mudança da capital para Brasília, sob o pretexto de interiorizar o Brasil, foi uma punhalada que, até hoje, 50 anos depois, ainda dói nas costas dos cariocas. Só não nos avisaram que a transferência era também para escamotear a corrupção – que daria muito na vista no Catete, na Cinelândia e na Praça Quinze – e propiciar o surgimento de novos ricos, financiados pelo fornecimento de bens e serviços para a construção de um novo mundo a toque de caixa (registradora?).

Em 1975, foi a fusão. O casamento forçado entre a menina rica (a Guanabara, cidade-estado em que se transformara o Rio de Janeiro) e o fazendeiro pobre (o antigo Estado do Rio, capital Niterói, cuja herança política, bem maldita, vimos carregando nesses 35 anos), com mais perda de prestígio político e de recursos financeiros. Mesmo com o advento do petróleo, já que havia uma receita de impostos estaduais que a atual capital não dividia com ninguém.

Vem então o conterrâneo de Getúlio, para vilipendiar mais um pouco, a título de ser o bom velhinho de milhões de brasileiros, agraciados com o fruto do trabalho de muitos de nós e dos impactos ambientais que se dão bem longe do espelho d'água do Congresso Nacional. Curiosamente, não se propôs dividir a riqueza dos minérios produzidos em Minas Gerais ou no Pará; nem as benesses da indústria automobilística de São Paulo. Mas querem meter a mão no petróleo do Estado do Rio...

E sabe o que mais? Vamos, enfim, ao que de bom essa história pode oferecer. A Emenda Ibsen conseguiu uma união improvável, de forças, na intrincada malha eleitoral fluminense. Trouxe Rosinha Matheus, ex-governadora e mulher do também ex, Garotinho, para apoiar Sérgio Cabral. Garotinho e Cabral são virtuais concorrentes ao governo do estado em outubro, quando o atual governador tenta a reeleição, e não mantêm relação de cordialidade. Apesar disso, Rosinha e Cabral deram-se as mãos na Avenida Rio Branco, na passeata que reuniu cerca de 150 mil pessoas, debaixo de chuva forte, 'contra a covardia' – como os organizadores chamaram a marcha.

Viam-se bandeiras de vários partidos na manifestação: PMDB, o dono da bola, partido do governador; PSDB, PDT, PV e PC do B, entre outras. Mas uma ausência chamava a atenção: nenhuma bandeira do PT e nenhum militante com a estrela vermelha. A UNE, por sua vez, tão bem domesticada por Lula nos últimos 8 anos, providenciou um bandeirão (na verdade, nem tão 'ão' assim), para não dizer que deixou de comparecer. Mas sem as bravatas e histrionismos de costume. Essas ausências (pode-se, tecnicamente, incluir aí a União Nacional dos Estudantes) são, na verdade, uma clara postura de omissão. O não tomar partido, para não se comprometer.

E como não? Por que será que, em meio a essa crise dos royalties, com uma possibilidade de decisão em vias de cair em seu colo, Lula terá tirado da cartola um importante conclave diplomático na República da Conchinchina? A postura de avestruz haverá de ser um tiro no pé, certeiro, na boca de começar a já começada campanha de Dilma Rousseff à presidência. Com Serra tirando enorme proveito do fato, rompendo o silêncio e saindo em defesa do Rio e do Espírito Santo, reforçando a tese da quebra dos dois estados sem os recursos que querem tungar.

Por tudo isso, como carioca que ama e preza a terra, resta-me sugerir ao deputado Ibsen Pinheiro uma reflexão sobre uma pequena frase, curiosamente o lema do Estado do Rio de Janeiro, escrito na bandeira do RJ: 'administrar a coisa pública com retidão' – 'recte rempublicam gerere', como está lá, em latim.

E agradecer-lhe, pelo belíssimo estrago que ele está ajudando a consumar, em coisas que vêm mesmo demandando serem destruídas.


Boas Noites!