P Á G I N A S

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A máquina e o homem

 
O homem criou a máquina, termo geral, para fazer-lhe o trabalho penoso: insalubre, perigoso, demorado ou repetitivo. Percebendo a sua vocação para pensar e criar, delegou muitas de suas tarefas menos nobres a ela que, curiosamente, conferiu nobreza a esses encargos, graças à rapidez e à precisão de que são capazes, em níveis que não são próprios do seu inventor.

Mas há situações em que a máquina vence o homem. Por sua superioridade e por seu alcance. Pelo seu poderio avassalador, contra o qual ninguém pode. Como deu-se ontem, no segundo turno das eleições presidenciais no Brasil. A máquina, sob o domínio de um homem, elegeu Dilma Rousseff.

O aparato de propaganda mobilizado sem limites pelo governo federal fez surgir, de uma desconhecida e inexpressiva figura, a sucessora ungida pelo presidente-operário. O desdém de nossa excelência para com a legislação eleitoral - com a devida complacência da corte - e a manipulação da estrutura do estado-partido em favor da ascensão da dama de ferro pareceram acontecer sem maiores problemas. Junte-se à receita, então, o peso de uma estatal emblemática, tomada por pelegos em seus postos-chave, para fazer acontecer. Pronto.

O pai dos pobres fez da mãe do PAC sua herdeira política, na falta de outros nomes, impedidos por escândalos cuja abrangência infectou cada milímetro quadrado do Palácio do Planalto. Restou ao patriarca apontar, simplesmente, quem ele queria.

Com a massa acrítica de seguidores da seita obediente aos ditames do líder, faltava recrutar a outra, a massa de manobra, sempre à disposição e sem direito ao livre pensamento; de novo meros objetos de joguete eleitoral. Convencê-los seria fácil: uma casa fora da favela, uma palavra fácil... Uma mesada. Um preço módico a se pagar, para quem tudo tem à mão. E assim se fez.

E veio a votação consagradora. Ao menos desta vez puseram uma gente melhorzinha em aritmética, para formatar as pesquisas.

Mas o mais impressionante foi, noite passada, ver a imprensa cantar loas ao passado de Dilma Rousseff, como se a presidente eleita tivesse um currículo impecável, digno dos maiores estadistas realizadores ou de benfeitores incontestes da humanidade. Sua história de 'lutas', seus feitos enquanto guerrilheira, terrorista e subversiva, foram tratados pelas reportagens, em matérias já prontas de véspera, com uma estranha dignidade. Um tom quase enaltecedor, de provocar engulhos e cólica. Mais do que um deboche, um acinte às pessoas de bem que ainda há no Brasil. Muitas, por sinal.

Decerto eram conveniências da política de boa vizinhança, a melhor expressão para o disfarce do pavor de uma retaliação.

O início do terceiro mandato seguido do PT, desta vez (diretamente) sem Lula, faz com que os comentaristas políticos considerem que a oposição, posta a deitar em berço esplêndido na eternidade dos últimos oito anos, volte à ativa. Analisa-se que sua apatia - ou omissão, como queiram - deveu-se muito à figura mítica de Lula, contra a qual poucos ousavam se postar. Um quadro que a princípio muda de agora em diante, já que - presume-se, ao menos - o mito se vai.

Como ficarão os incontáveis escândalos, tráficos de influência, malversações do dinheiro público e as respectivas blindagens que vêm impedindo sua investigação e a devida punição, pela Polícia Federal e pela Justiça? Qual será o comportamento das instituições do Estado e dos novos donos do poder, diante da presumível manutenção do status quo que hoje protege os malfeitos da casta da estrela vermelha?

Enfim, um novo tempo se anuncia, ainda incerto, dado o aparelhamento que o estado já vive hoje, tendente a agravar-se. Incerto também pela indefinição dos partidos e políticos da oposição, que precisam retomar o papel que lhes cabe na fiscalização responsável dos atos de um novo governo, cujo código genético traz as piores referências morais jamais vistas antes na nossa história.

Apesar de tudo, desejo sinceramente que dias melhores venham para todos nós. E que a política brasileira seja de novo notícia, deixando o péssimo costume de frequentar as páginas policiais dos periódicos.


Boas Tardes!